Por: Samira Menezes –

Antes de ter na ponta da língua respostas prontas para as provocações mais comuns de onívoros inseguros, é bom ter em mente que você não é superior a ninguém por ter se tornado vegano. Erra o vegano que parte para uma conversa com um ovolactovegetariano ou com um onívoro em um tom prepotente. Normalmente, esses veganos são chamados de vegan police (polícia vegana), porque implicam até mesmo com outros veganos que consomem produtos 100% vegetal de empresas que comercializam produtos de origem animal. Por exemplo, iogurte vegano da Batavo ou hambúrguer de soja da Perdigão. Dessa maneira, em vez de ser um exemplo de algo bacana, a pessoa se torna aquela espécie de chato solitário de quem todo mundo quer distância. E, pior, não incentiva um mercado maior de produtos veganos. A única coisa que faz com aquele dedo indicador sempre em riste é acusar onívoros e ovolactovegetarianos de pessoas antiéticas.

Contrariamente à polícia vegana, eu quero sim que a Batavo e a Perdigão façam coisas para mim, melhor ainda se elas parassem de comercializar produtos de origem animal e se dedicassem somente à fabricação de produtos veganos. Não são dos vegan police que os animais precisam, mas sim de gente sensata que entende as limitações dos outros.

Entendo que para defender uma causa é preciso muita força e determinação, o que pode levar o pessoal mais exaltado a atitudes antipáticas, mas por mais correto que você esteja, às vezes é mais vantajoso manter a calma a entrar em uma discussão desse tipo. É natural que onívoros enxerguem na carne o elemento principal das refeições, e cabe a um vegetariano (quando questionado) explicar como e por que isso é desnecessário. Isso não significa, porém, que você tenha que ficar calado e aguentar provocações todos os dias. Responda somente se você estiver disposto a manter uma cansativa conversa que no fim das contas parecerá mais com uma competição de braço de ferro do que com uma reflexão sobre o uso dos animais. Do contrário, tudo bem ignorar completamente o provocador.

Lembre-se também de que esse tipo de pessoa nada mais é do que um preconceituoso e, como todo preconceito, ele tem como base a falta de conhecimento. Por isso, antes de sair por aí respondendo de qualquer jeito a essas provocações, cabe a você estudar nutrição, biologia, fisiologia, culinária, religião e direito para dissipar toda essa ignorância em torno do vegetarianismo. Dê argumentos, explique os fatos, mostre seu ponto de vista sem ser chato, conte histórias pessoais e pare de falar quando perceber que a conversa já deu o que tinha que dar.

Para dar uma ideia do que onívoros inseguros costumam dizer, reuni algumas das perguntas clássicas, muitas vezes feitas em tom provocatório. Quem é vegetariano de longa data com certeza já ouviu alguma destas perguntas em algum momento da vida e provavelmente tem respostas diferentes.

As respostas que coloquei a seguir são apenas sugestões (algumas minhas e outras de amigos) do que você pode falar. Elas não precisam ser decoradas na ponta da língua, são apenas conceitos que você pode elaborar do seu jeito. Com toda a minha ingenuidade e muita esperança no coração, espero que os vegetarianos que começaram a trilhar esse caminho agora não precisem mais passar por esse tipo de situação.

Alface também sente dor, sabia?
Sabia. Aliás, da última vez que o arranquei do pé pude ver seu olhar de desespero e ouvir seus gritos de dor. Enquanto isso, percebi que seu filhote alfacinho chorava desesperado porque sua mãe tinha sido morta.

Os animais foram feitos para servir o homem, está até na Bíblia.
Também está na Bíblia que não devemos matar e que devemos praticar a misericórdia e o amor ao próximo, que, do meu ponto de vista, pode ser estendido para outros seres vivos como os animais. Não me lembro, porém, de ter lido na Bíblia sobre a cristandade de fazendas e granjas industriais que produzem carne em série e obrigam animais a viverem em condições degradantes.

Com tanta gente passando necessidade no mundo, por que se preocupar com os animais?
Uma coisa não exclui a outra. O fato de eu me preocupar com os animais não me impede de ajudar o próximo ou de oferecer minha ajuda a uma causa humanitária. Por falar nisso, quantas pessoas passando necessidade você realmente ajudou essa semana?

Se comer animais é uma tradição, por que devo parar de comer carne?
Também era tradição escravizar os negros e vetar o voto às mulheres. Em alguns países da África, até hoje é tradição mutilar as genitais de meninas. Se o fim de uma tradição significa a formação de uma sociedade mais justa e menos violenta, não vejo por que não agir diferente. Racismo, sexismo, antissemitismo e especismo são todas formas de discriminação.

Se você tivesse que salvar a vida de um bebê ou de um bezerro, quem você escolheria?
Se você tivesse que salvar entre o meu bebê ou o seu, qual você salvaria primeiro? Eu salvaria o meu e não o seu, com certeza.

Se animais não têm alma nem consciência, por que você acha que eles têm direitos?
Se eles não tivessem consciência, por que se desesperam quando se sentem em perigo de morte? E mesmo que eles não tenham alma, isso não me impede de respeitar suas vidas. Ou você vai negar que eles são seres vivos?

Se os animais comem uns aos outros, por que nós não podemos comê-los também? Afinal, estamos no topo da cadeia alimentar.
Nem todos os animais são carnívoros. As vacas são herbívoras, assim como as girafas e os elefantes. Não sei você, mas eu não sigo o comportamento de outros animais, porque, se assim o fizesse, eu teria que defecar na rua e copular em público caso resolvesse seguir os hábitos de um cachorro.

Hitler era vegetariano.
Assim como Mahatma Gandhi, Albert Einstein, Brad Pitt, Bill Clinton, Alanis Morissette, Joaquin Phoenix, Paul McCartney, Kate Moss… A lista de vegetarianos é enorme. Por falar no Einstein, uma vez ele disse: “Que época infeliz é essa em que vivemos, meus amigos! Está mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo”.

Os seres humanos são carnívoros.
Não é verdade. Os carnívoros têm sistema digestivo mais curto, caninos mais longos, garras mais afiadas… Os seres humanos são onívoros e não vão morrer se ficarem sem comer carne. Se ainda assim você tem dúvidas em relação a isso, coloque um bebê humano junto com um coelhinho fofo e uma fruta. Se o bebê comer o coelho, pode ter certeza de que, no mínimo, ele não é humano.

A carne é essencial para a saúde.
Para essa afirmação, você pode responder de um jeito sério ou com ironia, caso domine perfeitamente essa arte. Se quiser responder seriamente, diga que não existe nenhum nutriente da carne que não possa ser encontrado em outros alimentos. Mesmo a vitamina B12 pode ser obtida de outra forma, com suplementos que custam menos do que a carne e não contêm pesadas e gordurosas calorias. Se quiser ser irônico, responda que nesse momento quem fala é seu espectro, já que você ficou doente e morreu depois que adotou o vegetarianismo.

Se você vivesse no Alasca, seria vegetariano?
(Essa pergunta é uma variante daquela que meu amigo onívoro fez durante o jantar em sua casa). Não posso afirmar com certeza. Primeiro porque eu não vivo no Alasca e talvez nunca o visite na minha vida. E mesmo que eu fosse para lá, imagino que sendo um Estado pertencente aos Estados Unidos, ele também faça parte daquela rede de globalização que me permite consumir produtos produzidos em outras partes do mundo.

O homem pré-histórico só evoluiu porque comeu carne.
De fato, o homem pré-histórico garantiu sua sobrevivência comendo carne que conseguia caçar, raízes, frutos e folhas que conseguia encontrar e digerir. Mas felizmente o mundo está em constante transformação e a pré-história já passou há muito tempo. Mais do que isso. O que antes era uma vantagem evolutiva, hoje virou uma desvantagem. O consumo exagerado de carne traz muito mais riscos para a saúde do que o consumo de vegetais. Estudos que ligam o consumo dos alimentos de origem animal a doenças crônicas não faltam. Isso é mais ou menos o conceito por trás do que diz o antropólogo Marvin Harris. Ele afirma que as escolhas alimentares dos povos e dos indivíduos sempre foram determinadas por um cálculo (mais ou menos consciente) das vantagens e desvantagens consequentes. Talvez esteja na hora de dar mais ouvidos a esse cálculo instintivo e começar a diminuir o consumo de carne.

Além disso, a produção intensiva de alimentos de origem animal está acabando com o meio ambiente. Alguns especialistas, inclusive, veem o vegetarianismo como a alimentação do futuro, pois o mundo será superpopuloso. As previsões são de que em 2050, a Terra conte com a presença de 9 bilhões de pessoas. É inviável alimentar toda essa gente com carne, por causa do custo ambiental embutido nesse tipo de produto. Usa-se muita água e muita terra para produzir pouca carne. Ao contrário dos grãos, que utilizam pouca água e rendem uma quantidade muito maior de comida. Para evitar um completo desastre ambiental, as pessoas deverão procurar outras fontes de proteína.

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) calcula que hoje 2 bilhões de pessoas encontrem nos insetos sua principal fonte de proteína. Entre eles, formiga, escorpião, barata e gafanhoto. Mas, como a entomofagia parece grotesco demais para muitos ocidentais gulosos, o jeito será partir para as fontes vegetais, como as leguminosas e a quinoa, duas saborosas fontes de proteína, isentas de perninhas, asinhas ou ferrões.

Esse texto foi retirado do livro Confesso que comi, de Samira Menezes, publicado pela Editora Europa.

Livro Confesso que comi